CAMELO PELO
FUNDO DE UMA AGULHA?
São Mateus 19:
24
Muitos
concluem: Os ricos não poderão entrar no reino do Céu, desde que um camelo
jamais passará pelo fundo de uma agulha.
Comentários Gerais
A palavra
camelo é usada seis vezes no Novo Testamento:
1. Três vezes relatando uma ilustração de
Cristo. S. Mat.19: 24; S. Mar. 10:25 e S. Luc. 18:25.
2. Duas vezes com referência, ás vestes de
João Batista. S. Mat. 3: 4 e S. Marc. 1: 6.
3. Uma crítica de Cristo aos escribas e
fariseus que coavam um mosquito e engoliam um camelo. S. Mat. 23:24.
Uma leitura
rápida da passagem tem levado muitos à seguinte conclusão: Os ricos nunca poderão entrar no reino dos
Céus, desde que um camelo jamais passará pelo fundo de uma agulha.
Vejamos primeiro o estudo do contexto porque ele nos ajudará na boa
compreensão do texto.
Um moço rico aproximou-se de Cristo dirigindo-Lhe a pergunta: “Mestre, que
farei de bom, para alcançar a vida eterna?” S. Mat. 19:16.
Jesus o informa da necessidade de guardar os mandamentos. A resposta do
jovem foi incontinenti: “Tudo isso tenho observado; que me falta ainda?”
Preso aos bens materiais, a sua maneira de guardar os mandamentos, não se
coadunava com as diretrizes divinas. Diante desta realidade foi que Cristo lhe
expôs a necessidade de guardar os mandamentos não de maneira fria,
ritualística e farisaica, mas sim de modo consentâneo com o desprendimento celeste.
O jovem rico, embora houvesse guardado os mandamentos literalmente, a sua
atitude egoística não se harmonizava com o que Deus espera de nós, guardara na
letra, mas não no espírito, por isso de maneira franca e sincera Cristo lhe
apresentou o que lhe faltava — desprender-se
completamente das posses terrestres. O pedido do Mestre lhe pareceu exigente
demais para ser cumprido, portanto o diálogo foi encerrado.
Cristo espera que Seus filhos não vejam as possesões com o único objetivo
de trazer-lhes comodidade e conforto, mas como um privilégio outorgado por Deus
para converter-se numa bênção aos mais carentes.
Os judeus tinham noções erradas sobre os ricos e os pobres. Inclinavam-se a
pensar que a prosperidade era a prova máxima do favor divino e um símbolo das
bênçãos de Deus: iam mesmo além em suas conjeturas, pois criam que era mais
fácil a salvação para os ricos do que para os pobres. Cristo teve que desarraigar
estas conclusões erradas, por isso O vemos antes deste incidente com o moço
citar a parábola do Rico e Lázaro, onde o rico vai para a perdição e o pobre
para a salvação. Longe de nós a conclusão simplista de que os ricos vão se
perder, e de outro lado os pobres se salvarão. O ensinamento bíblico de acordo
com esta passagem é este: É mais difícil para um rico ser salvo do que para um pobre. As
riquezas podem ser perigosas para aqueles que as possuem.
O Comentário Adventista tem para
o verso 23 a seguinte observacão:
“E difícil para um homem rico obter o reino
dos Céus, não porque ele é rico mas por causa da sua atitude para com as
riquezas.”
O contexto de S.Mateus 19: 24 não apresenta a impossibilidade da salvação
para os ricos, mas apenas as maiores dificuldades que eles terão de vencer,
basta ler os versos 23 e 26.
Os três maiores perigos das riquezas, de acordo com William Barclay, ao
comentar S. Mateus 19: 24; são estes:
1o.) As posses numerosas fomentam uma falsa independência.
Quem tem bens materiais é inclinado a pensar que pode vencer qualquer
situação inesperada. O dinheiro leva a pessoa a pensar que pode comprar o
caminho da felicidade, bem como aquele que o livrará da dor. Pensa ainda que
pode afastar todas as dificuldades sem Deus.
2o.) As riquezas prendem as pessoas a este mundo.
“Porque onde está o teu tesouro, aí
estará também o teu coração.” S. Mat. 6: 21.
Se tudo o que o homem deseja pertence a este mundo, se todos os seus
interesses estão centralizados aqui, nunca pensa em ir ao mundo do além.
Apegado demasiadamente à Terra é possível esquecer que há um Céu.
3o.) As riquezas tendem a fazer a pessoa egoísta.
Por mais que possua é natural ao homem desejar um pouco mais. O suficiente
é sempre um pouco mais do que se tem. A pessoa que chegou a desfrutar do luxo e
da comodidade sempre tende a temer viver sem eles. A vida se converte em uma
luta cansativa para reter o que se possui. O resultado é que quando o homem
enriquece, em lugar de sentir o impulso de dar, só experimenta o desejo de
prender-se às coisas. O seu instinto o leva a possuir mais e mais, em busca da
segurança, que crê, as coisas lhe possam dar.
O perigo das riquezas é que estas levam o homem a esquecer que perde o que
retém e ganha aquilo que dá aos outros.
Três Interpretações Para S. Mat. 19:24
1a.) Houve uma substituição da palavra grega — kámilos
— corda, para
kámelos —
o animal. O fundo da agulha considerar-se-ia
literalmente.
2a.) A palavra camelo deve ser considerada literalmente, mas o
fundo da agulha era uma pequena porta ao lado da porta principal de Jerusalém,
pela qual um camelo passaria, após tirar-lhe a carga e, mesmo assim ajoelhado e
aos empurrões.
3a.) Tanto o camelo quanto o fundo da
agulha são considerados literalmente.
1a.) A Substituição por uma Palavra Semelhante:
Júlio Nogueira em seu livro A
Linguagem Usual e a Composição pág. 350, sem citar nenhuma fonte, nem
autoridade declara: “Tem-se visto em S. Mateus 19: 24 um engano de tradução do
texto grego, feita por S. Jerônimo: Em vez de kámilos, corda grossa, cabo, ele
tomou a palavra kámelos, camelo.”
O que aconteceu foi o inverso, pois Robertson, na pág. 192, da sua
memorável gramática afirma: “alguns poucos manuscritos cursivos substituem
kámelos por kámilos, mas isto é evidentemente um erro, um mero esforço para
solucionar uma dificuldade do texto.”
R. C. H. Lenski,
na obra — The Interpretation of St. Mathew’s
Gospel, pág. 755, confirma:
“Antes do quinto século kámelos não foi mudado para kámilos.”
O renomado comentarista Henry Alford na obra — An Exegetical and Critical
Commentary, vol. 1, pág. 197 acrescenta:
“Nenhuma alteração para kámilos é necessária ou admissível. Esta palavra,
com o significado de corda ou cabo, parece ter sido inventada para escapar da
dificuldade encontrada aqui.”
O Dicionário Enciclopédico da Bíblia da Editora Vozes de Petrópolis
corrobora as declarações anteriores:
“Sem muito fundamento, autores mais recentes quiseram ler kámilos, corda
grossa, em vez de kámelos, alegando que no Talmude se encontram expressões
análogas e que no tempo bizantino essas duas palavras pronunciavam-se da mesma
maneira.”
A Crítica Textual nos esclarece que algum copista, séculos depois de
Cristo fez a substituição para kámilos. Este fato apareceu em apenas alguns
manuscritos cursinos, isto é, minúsculos.
A prova de que Cristo usou a palavra camelo, nós a temos no fato de que
assim aparece nos primitivos manuscritos e nas primeiras traduções da Bíblia,
como a Menfítica, Latina e Peshita.
2a.) A Explicação da Porta Estreita Chamada Fundo de Agulha.
Aquino apresenta um comentário sobre Anselmo, observe a data (1033-1109
a.D) declarando que este autor afirma que em Jerusalém havia certa porta,
chamada “fundo de agulha” pela qual um camelo só passava se entrasse de
joelhos, depois de lhe ser retirada toda a carga.
Existem muitas outras vagas citações, mais ou menos idênticas à seguinte:
Lord Nugent, ouviu falar, faz muitos anos em Hebrom de uma entrada estreira
para os que passavam a pé, ao lado da porta grande e que se denominava “o
fundo de uma agulha”.
Talvez um dos livros que mais contribuiu, para que esta idéia se
generalizasse foi Memórias de um Repórter
dos Tempos de Cristo do Padre Carlos M. de Heredia, onde ele faz menção a
esta porta estreita chamada “fundo de uma agulha”. Devemos notar bem que o
próprio autor nos adverte no Prólogo, que sua obra é uma novela.
O comentarista Lenski, no mesmo livro
e pagina já citados, prossegue:
“No século quinze foi
tentado o oposto, o fundo de agulha foi aumentado pela referência a um pequeno
portal, que era usado por viajores a pé ao entrarem em uma cidade murada, pelo
qual um camelo poderia passar ajoelhado, depois de removida a sua carga. Isto
mudou o impossível para o possível e tornou-se atrativo porque sugeria que,
como o camelo tinha de deixar sua carga e arrastar-se sobre seus joelhos assim
o homem rico teria que desprender-se de suas riquezas ou de seu amor por elas
e humilhar-se sobre seus joelhos. Mas como em São Mateus 23: 24 Jesus tinha em
mente um mosquito e um camelo reais, assim aqui camelo e fundo de agulha são
reais.”
O livro Jóias do Novo Testamento Grego, de Kenneth S.
Wuest, pág. 25 diz:
“Alguns têm imaginado que o buraco da agulha referido fosse uma portinhola
no muro de Jerusalém, através do qual pudesse finalmente passar um camelo,
depois de muitos puxões e empurrões.”
“O grego de S. Mateus 19: 24 e de S. Marcos 10: 25, fala de uma agulha
usada com linha, enquanto que o de São Lucas 18: 25 usa o termo indica uma
agulha usada nas operações cirúrgicas. É evidente que ali não é considerada nenhuma
portinhola, mas sim, o pequeno orifício de uma agulha de costura.”
A palavra grega usada por Mateus (19: 24) é “rhafis” = agulha de
costura; enquanto Lucas por ser médico empregou “belone” = agulha
cirúrgica.
Note bem a
afirmação seguinte, encontrada na obra: A
New Testament Commentarv G. C. Howley. Consulting Editors F. F. Bruce e H.L. Ellison.
“A interpretação popular em certos círculos de que o fundo de uma agulha é
uma pequena porta dentro do portão de uma cidade é sem fundamento.”
Dentre os mais
considerados estudiosos do Novo Testamento Grego se acha Vincent; este autor
após comentar o verso 24 de S. Mateus 19, sintetiza enfaticamente:
“A alusão não deve ser explicada como se referindo a uma porta estreita chamada o fundo de uma
agulha.”
Segundo o comentarista Broadus, esta explicação nada mais é do que uma
conjetura sugerida da seguinte observação alegórica de Jerônimo:
“Assim como os camelos de Midiã e Efá (Isa. 60: 6), vindos com dádivas,
torcidos e apertados entravam pelas portas de Jerusalém, assim os ricos podem
entrar pela porta estreita despojando-se de sua carga de pecados e de toda a
deformidade corporal.”
O preeminente estudioso F. F. Bruce, conceituado entre nós por suas
notáveis obras, no livro Answers to
Questions, págs. 55 e 56, respondeu da seguinte maneira à
um de seus inquiridores. Eis a pergunta e a resposta dada:
“Tem-se afirmado recentemente que a passagem que menciona um camelo
passando pelo fundo de uma agulha (S. Mar. 10: 25), tem sido mal traduzido
devido a uma confusão entre as palavras gregas kámelos (‘camelo’) e kámilos
(‘corda’), e que nosso Senhor realmente falou de uma corda passando pelo fundo
de uma agulha. É isto assim?
“Em S. Marcos 10: 25 a evidência
textual parece ser unânime em favor de kámelos (‘camelo’). No tocante às duas
analogias sinóticas, um punhado de minúsculos e a Versão Armênia atestam
kámilos (‘corda’) em S. Mat. 19: 24, bem como o fazem um mais recente uncial e
uns poucos minústulos em
S. Luc. 18: 25. Em todos os três lugares a
evidência é esmagadora em favor de ‘camelo’, e isto é reconhecido pela maioria
das traduções. Eu penso que no momento a única versão inglesa que dá a
tradução de ‘corda’ é The Book of
Books, publicada em 1938. Os poucos escribas ou editoras que substituíram
camelo’ por ‘corda’ podem ter sido inconscientemente influenciados pelo desejo
de fazer a entrada de um rico no reino de Deus levemente menos difícil do que
nosso Senhor disse que era. O mesmo pode ser dito da idéia de que Suas palavras
se referem a uma pequena passagem subterrânea em um grande portão, através da
qual um camelo poderia comprimir-se quando as entradas principais estivessem
fechadas, por cujo motivo sua carga deveria ser primeiramente removida. Nosso
Senhor Se referia aos embaraços na impossibilidade da entrada de um rico no
reino. Se víssemos um camelo entrando pelo fundo de uma agulha, diríamos ser
isto um milagre; e é igualmente um mi!agre um homem rico ser salvo. Esta não é
minha interpretação, é a clara afirmação de nosso Senhor: ‘Para os homens é
impossível, mas não para Deus; porque para Deus todas as coisas são possíveis’ (S.
Mar. 10: 27). Uma observação adicional: em comparação com as condições da
Palestina nos dias de nosso Senhor, muitos de nós que gozamos os padrões do
viver comum através de nossa ‘opulenta sociedade’ ocidental, hoje seríamos
classificados como ‘ricos’.”
3a.) A Única Explicação Defensável.
“Tanto o camelo, como o fundo da agulha devem ser compreendidos
literalmente... não é
necessário sugerir que camelo poderia significar uma corda, ou que o fundo de
agulha era um nome, às vezes, dado a um pequeno portão lateral para passageiros
a pé. Nenhum expositor antigo adota este método de explanação, mas toma o fundo
de agulha em sentido literal, como podemos crer que Cristo fez.”
Estas declarações foram feitas por Alfred Plummer na obra An Exegetical Commentary on the Gospel of
Mathew, pág. 269.
Outro comentarista apreciado, especialmente por suas idéias conservadoras,
é William Hendriksen. Em New Testament
Commentary (Mathew), págs. 727 e 728, ele nos afirma:
“Para explicar o que Jesus quer dizer é inútil é injustíficado tentar
mudar camelo para cabo —
veja S. Mat. 23: 24, onde um camelo
real deve ter sido empregado — ou definir o
fundo de agulha como o portão estreito no muro de uma cidade, através do qual
um camelo pode passar apenas de joelhos e depois de ter sido removida sua carga.”
Os comentaristas nos informam que Jesus Se valeu de uma ilustração, que já
existia em forma de provérbio no seu tempo, como prova o Talmude. Em Babilônia,
nesta mesma época, havia uma frase idêntica, apenas com a seguinte
variante: É mais fácil um elefante passar pelo fundo de uma agulha.
Os exemplos poderiam ser multiplicados, como os do The
Interpreter’s Bible, The Anchor Bible e muitos outros, porque nesta mesma tecla insistem os exegetas e
comentaristas, mas para término de nossas considerações, apenas mais um
relato: o do Comentário Adventista sobre S. Mateus 19:24.
Fundo de Uma Agulha
“A explicação que o fundo de uma agulha, se refere a uma porta menor aberta
no painel de uma grande porta da cidade pela qual os homens podiam passar
quando a grande porta estava fechada para o tráfego principal, originou-se nos
séculos depois dos dias de Cristo. Não há portanto nenhum fundamento para tal
explicação, embora ela possa parecer plausível, Jesus está tratando com
impossibilidades (v. 26) e não há nenhum apoio para se defender uma explicação
pela qual se possa traduzir como possível o que Jesus especificamente
salientou como impossível.”
Será que há necessidade de aduzir mais exemplos comprobatórios, para a
eliminação completa de explicações não alicerçadas em bases seguras?
Conclusão
Das três explicações existentes apenas uma é defensável para os teólogos
adventistas, bem como para todos os eruditos das demais organizações
religiosas.
Cristo estava usando uma hipérbole, figura que se caracteriza pelo
exagero, com o objetivo de despertar a atenção dos ouvintes, para melhor fixar o fato na
memória.
A informação de uma porta estreita se espalhou pelo mundo por influência
de suposições e de relatos não fidedignos.
Jamais devemos usar explicações populares vulgarizadas, porque não são
sancionadas pelos grandes estudiosos da Bíblia.
O seguinte princípio exegético não deve ser esquecido por nós. O pregador
deve ser bastante cuidadoso para não tirar do texto o que seu autor nunca
tencionou dizer.
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