quinta-feira, 9 de julho de 2020

Cântico dos cânticos

O livro de Cantares

O título Cântico dos Cânticos (= Ct) comumente dado a este breve mas belíssimo livro é uma expressão que corresponde literalmente ao início do texto hebraico da Bíblia: shir hashirim. Trata-se de uma fórmula idiomática muito condensada, cujo sentido pode explicar-se com propriedade como: “o mais formoso dos cantos” ou “o poema mais sublime.” Cântico dos Cânticos é um poema distribuído em estrofes, nas quais, alternadamente, dois namorados manifestam os seus recíprocos sentimentos numa linguagem apaixonada, de alto nível literário e brilhante colorido. Tudo nesse poema enfeitado de símiles e esplêndidas metáforas orienta-se para a exaltação do amor entre o homem e a mulher, nessa irresistível e mútua atração que inspira as palavras e determina as atitudes dos namorados. Em Cântico dos Cânticos, o esposo olha a esposa como um modelo de perfeições, contempla-a pelo cristal daquilo que considera mais apetecível, seja vinha ou fonte, jardim ou “nardo e açafrão” (1.6; 2.15; 4.12-14; 5.1; 8.12). A beleza dos namorados e as delícias do amor são como os frutos da terra, os lírios, o vinho, o leite ou o favo de mel (4.3,11; 5.1,13; 6.2,7; 7.7-9; 8.2). Também, desde os mais altos expoentes da lírica, o poema expressa, às vezes, a angústia pela ausência do amado (1.7; 3.1-3; 5.8), a felicidade do encontro (2.8-14; 3.4) e, sobretudo, o desejo intenso da mútua entrega (1.2-4; 8.1-3).

A interpretação

Ao longo da história, o sentido das metáforas propostas pelo Cântico dos Cânticos tem sido recusado, apesar da sua evidência. Para muitos intérpretes, tanto judeus como cristãos, parecia impensável que, entre os demais livros da Bíblia, pudesse haver um de caráter secular, cuja finalidade não fosse outra senão festejar a felicidade dos esposos unidos por um amor propriamente humano.
Por isso, desde longa data tratou-se de encontrar no livro um segundo sentido, de estrita natureza religiosa e oculto por debaixo daquilo que aparece à primeira vista. Assim, o Judaísmo o interpretou como uma exaltação alegórica da aliança de Javé com Israel. Depois, a Igreja viu o seu relacionamento com Cristo prefigurado nos namorados protagonistas do poema. E, por último, a mística cristã descobriu neles a mais perfeita referência à união da alma com Deus. No entanto, todos esses critérios, condicionados pelo próprio sentimento religioso daqueles que os sustentavam, têm obscurecido durante séculos a interpretação mais singela e imediata de Cântico dos Cânticos e a sua vinculação literária e de pensamento com antigos hinos de bodas da sociedade israelita. Eram canções entoadas umas pelos noivos, e outras, por familiares e convidados (Jr 25.10; 33.11), os quais bailavam e cantavam durante os sete dias de duração dos alegres festejos nupciais (Gn 29.27-28; Jz 14.10,17).
Aquilo que, ao contrário, se deve ressaltar é que a figura da união conjugal, tão belamente louvada por Cântico dos Cânticos, é usada freqüentemente no Antigo Testamento como símbolo excelso da aliança de Deus com Israel (Jr 2.1-3; Ez 16; Os 1—3) e, no Novo Testamento, do relacionamento de Cristo com a Igreja (Ef 5.23-32; Ap 21.2,9).

O autor

A menção de Salomão (1.1) induz a se pensar que aquele rei, filho de Davi e sábio entre os sábios, foi o inspirado poeta a quem devemos o Cântico dos Cânticos. Mas a esse respeito se deve assinalar que a frase hebraica traduzida por “de Salomão” tanto pode significar que ele foi o autor do poema como que o poema lhe foi dedicado ou, simplesmente, que Salomão é o personagem a quem o poema faz referência. Em um ou outro caso, o fato indubitável é que o nome do rei pesou de modo definitivo em favor de que Cântico dos Cânticos fosse incluído entre os livros sapienciais do povo de Israel.

Composição do poema

No momento atual, a grande maioria dos especialistas está de acordo que o Cântico dos Cânticos, tal como tem chegado a nós, não é a obra de um único e determinado poeta. Trata-se, antes, de uma coleção de canções dos séculos V e IV a.C., compostas por pessoas desconhecidas para que o povo cantasse e compiladas, provavelmente, até o princípio do séc. III a.C. Portanto, não se deve supor nenhuma espécie de estrutura estabelecida de antemão como preparação da obra poética. A unidade literária de Cântico dos Cânticos e a coerência do seu pensamento não procedem de nenhum plano prévio, mas da idéia geral que presidiu, no seu dia, a compilação dos cânticos.

Esboço:

1. Título (1.1)
2. Cânticos (1.2—8.14)
a. Primeiro (1.2—2.7)
b. Segundo (2.8—3.5)
c. Terceiro (3.6—5.1)
d. Quarto (5.2—6.3)
e. Quinto (6.4—8.4)
f. Sexto (8.5-14)



a.C. antes de Cristo
séc. século

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