quinta-feira, 9 de julho de 2020

Livros Proféticos

Lugar dos profetas no cânon

A segunda das três grandes seções em que se divide a Bíblia Hebraica é a chamada de os Profetas (hebr. nebiim), por sua vez, subdividida em dois grupos: Profetas anteriores e Profetas posteriores. Diferentemente das nossas Bíblias atuais, entre as quais se conta a presente edição, a Bíblia Hebraica considera proféticos e assim cataloga no grupo dos “anteriores” seis livros de caráter histórico: Josué, Juízes, 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis. O conjunto dos posteriores é formado por Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze profetas menores, assim nomeados não porque o seu conteúdo seja de menor importância, mas porque são notavelmente menores que os escritos dos “três grandes profetas”. Por outro lado, enquanto que o índice da LXX (que é o adaptado pela Almeida) inclui Lamentações e Daniel entre os livros proféticos, a Bíblia Hebraica os coloca na terceira seção, entre os Escritos (ketubim).

Os profetas e a sua mensagem

Profeta é uma palavra derivada do vocábulo grego profetés, composto pela preposição pro, que tem valor locativo e equivale a “diante de”, “na presença de”, e o verbo femí, que significa “dizer” ou “anunciar”. Na LXX, encontramos profetés como tradução da palavra hebraica nabí, relacionada esta última a várias outras semíticas cujo sentido principal é anunciar ou comunicar alguma mensagem.
Em âmbitos alheios ao texto da Bíblia, é freqüente dar o nome de profeta a alguém que transmite mensagens da parte de alguma divindade ou que se dedica à adivinhação do futuro. Porém, se se restringe o uso da palavra ao seu sentido bíblico, profeta é especialmente alguém a quem Deus escolhe e envia como o seu porta-voz, seja diante do povo ou de uma ou várias pessoas em particular. Não se trata, pois, na Bíblia, de adivinhos, magos, astrólogos ou futurólogos entregues a predizer acontecimentos futuros, mas de mensageiros do Deus de Israel, enviados para proclamar a sua palavra em precisos momentos históricos. Em certas ocasiões, a mensagem profética se referia a algum evento futuro, porém sempre vinculada a uma situação concreta e imediata na qual surgia a profecia (cf. p. ex., Is 7.1-25). Para descreverem o fato histórico, estão destinadas certas passagens que, na maioria dos livros, contemplam acontecimentos bem conhecidos e datados (p. ex., Jr 1.3, a conquista de Jerusalém; Ez 1.1-3, a deportação para a Babilônia; Is 1.1, Os 1.1, cronologias reais). Para se compreender o profundo sentido da palavra de Deus transmitida pelos profetas, deve-se prestar máxima atenção ao contexto histórico em que foi originalmente proclamada. Somente dessa forma será possível também atualizar a mensagem profética e aplicar o seu ensinamento às necessidades e circunstâncias do momento atual.

Os profetas nos textos históricos

A figura do profeta freqüentemente ocupa um lugar importante nos livros narrativos da Bíblia. Tal é o caso de Samuel, Natã, Elias e Eliseu, os quais tiveram uma significação especial na história de Israel. Porém, juntamente com eles, aparecem também outros profetas, homens e mulheres cujos nomes, em geral, são menos familiares ao leitor, como, p. ex., Aías, de Siló (1Rs 14.2-18); Débora (Jz 4.4—5.31); Gade, “vidente de Davi” (2Sm 24.11-14,18-19); Hulda (2Rs 22.14-20); Miriã, a irmã de Moisés e Arão (Êx 15.20-21); Micaías, filho de Inlá (1Rs 22.7-28). Esses relatos, às vezes, conservam palavras ou cantos dos profetas (p. ex., 1Sm 8.11-18; 2Sm 7.4-16), ainda que a atenção do texto esteja voltada em geral para realçar a importância do ministério profético em circunstâncias decisivas da história de Israel (p. ex., 1Rs 18).

A mensagem dos profetas

Os profetas habitualmente introduzem as suas mensagens mediante fórmulas expressivas como “Assim diz o Senhor ”, “Palavra do Senhor que veio a...” ou outras semelhantes; e, freqüentemente, apresentam-se a si mesmos como enviados de Deus e investidos de autoridade para proclamar a sua palavra. Essa certeza pessoal de terem sido divinamente escolhidos para comunicar determinadas mensagens é um sinal característico da consciência profética. Assim, Isaías, que responde ao chamado do Senhor: “Eis-me aqui, envia-me a mim” (Is 6.8); ou Jeremias, que escuta a voz do Senhor: “Eis que ponho na tua boca as minhas palavras” (Jr 1.9); ou Ezequiel, que ouve a ordem de Deus: “Vai, entra na casa de Israel e dize-lhe as minhas palavras” (Ez 3.4); ou Amós, que se sente separado das suas tarefas pastoris e transforma-se em porta-voz de Deus: “Vai e profetiza ao meu povo de Israel” (Am 7.15).

A literatura profética

A literatura produzida pelo profetismo israelita na sua comunicação da palavra de Deus é rica em formas e estilos. Nela, estão visões (Jr 1.11-13; Am 7.1-9; 8.1-3; 9.1-4), hinos e salmos (Is 12.1-6; 25.1-12; 35.1-10), orações (Jn 2.2-10; Hc 3.2-19), reflexões de caráter sapiencial (Is 28.23-29; cf. Am 3.3-8) e temas alegóricos (Is 5.1-7) ou simbólicos (Is 20.1-6; Jr 13.1-14; Os 1—3). Significações particulares revestem os textos vocacionais, nos quais se descreve a situação em cujo meio Deus chama o profeta para exercer a sua atividade (Is 6.1-13; Jr 1.4-10; Ez 1.1—3.27; Os 1.1—3.5). Em relação à freqüência de aparições, as mensagens que mais se empregam são as que se referem à salvação ou ao juízo e à condenação. No primeiro caso, proclamam o amor, a misericórdia e a disposição perdoadora e restauradora de Deus em favor de seu povo (cf. Is 4.3-6; Jr 31.31-34; Ez 37.1,14). No segundo caso, os discursos sobre temas condenatórios — que, às vezes, começam com uma figura imprecatória como “Ai de... !” — primeiro denunciam os pecados cometidos pelas pessoas, seja por um ou vários indivíduos (cf. Is 22.15-19; Jr 20.1-6; Ez 34.1-10), pelas nações pagãs (cf. Am 1.3—2.3) ou pela nação israelita como um todo (cf. Is 5.8-30; Am 2.6-16); e, em continuação, anunciam o castigo correspondente.
O Deus que os profetas pregam é um Deus exigente, que põe descoberto e faz justiça com extrema severidade ao pecado do seu povo eleito; um Deus justo e santo que, por isso mesmo, não tolera a mentira, nem a idolatria, nem a injustiça, em nenhuma das suas manifestações. Porém, ao mesmo tempo, é um Deus cheio de compaixão, cuja glória consiste em revelar-se como libertador e salvador; um Deus que quer beneficiar, com o seu favor e dons, a todos os seres humanos e não somente ao povo de Israel. E assim chegará o dia em que, ao ver a libertação desse povo que parecia perdido e sem remédio, todas as nações reconhecerão que o seu Deus é o único Deus e dirão: “Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas” (Is 2.3; cf. Ez 36.23,36; 37.28; 39.7-8).

A influência dos profetas

Os profetas exerceram uma influência decisiva tanto na religião de Israel quanto posteriormente no Cristianismo. Contudo, foram bem menos as ocasiões em que os primeiros destinatários da mensagem prestaram a devida atenção (cf. Ag 1.2-15). Pelo contrário, segundo o testemunho dos próprios textos bíblicos, a princípio faziam-se de surdos à voz dos profetas, as suas palavras caíam no vazio ou eram rechaçadas sem terem obtido a resposta requerida. Mais ainda, quando a comunicação profética molestava os ouvidos dos seus receptores, estes tratavam freqüentemente de fazer calar o mensageiro de Deus. Como diz Isaías: “Porque povo rebelde é este, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do Senhor. Eles dizem aos videntes: Não tenhais visões; e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto; dizei-nos coisas aprazíveis, profetizai-nos ilusões;... não nos faleis mais do Santo de Israel” (Is 30.9-11); e Amós acusa Israel: “Aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis” (Am 2.12; cf. 7.10-13).
Quando os intentos de fazer calar a mensagem profética se chocavam contra a fidelidade do profeta à palavra de Deus (cf. Jr 20.9), os ataques se dirigiam contra os próprios mensageiros, alegando que os seus anúncios tardavam muito em cumprir-se. Por isso, Isaías reprova o ceticismo dos seus ouvintes, que reclamavam: “Apresse-se Deus, leve a cabo a sua obra, para que a vejamos; aproxime-se, manifeste-se o conselho do Santo de Israel, para que o conheçamos” (Is 5.19; cf. 28.9-10); e o mesmo faz Ezequiel aos que diziam: “Prolongue-se o tempo, e não se cumpra a profecia?” (Ez 12.22; cf. 2.3,7; 12.26-28; 33.30-33).
Jesus conhecia os valores e o profundo significado do profetismo de Israel e também as dificuldades que rodeavam a existência dos profetas enviados por Deus. Por isso, deu testemunho de que o profeta não tem honra na sua própria terra (Jo 4.44) e, em certa ocasião, declarou isso para mostrar que o profeta não tem honra na sua própria terra, nem entre os seus parentes, nem mesmo em sua casa (Mc 6.4). Porém a mensagem profética continua vigente e não deixa de apelar à consciência humana, porque é a palavra de Deus, e há de prestar-lhe atenção como uma luz que ilumina lugares escuros, até que o dia amanheça e brilhe nos corações dos seres humanos (2Pe 1.19; cf. vs. 20-21).




hebr. hebraico
LXX Setenta (a Septuaginta, versão grega do AT
cf. conferir
p. ex. por exemplo
vs. versículos

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